Mais de uma centena de organizações humanitárias internacionais lançaram esta quarta-feira um apelo urgente à comunidade internacional para travar a catástrofe humanitária em curso na Faixa de Gaza. A declaração conjunta denuncia a utilização da fome como arma de guerra e exige medidas imediatas para garantir o acesso humanitário à população palestiniana.
Segundo o documento, a fome generalizada está a alastrar rapidamente, com relatos de crianças a morrer, adultos a colapsar nas ruas por fome e desidratação, e trabalhadores humanitários a juntarem-se às filas de distribuição de alimentos, arriscando a vida para alimentar as suas famílias. As Nações Unidas (ONU)confirmam que, até 13 de julho, pelo menos 875 palestinianos foram mortos enquanto tentavam aceder a comida — muitos em rotas de ajuda ou pontos de distribuição.
As organizações denunciam que toneladas de alimentos, água potável, medicamentos e combustível permanecem bloqueadas em armazéns, dentro e fora de Gaza, devido às restrições impostas por Israel. "A utilização da fome como método de guerra contra civis constitui um crime de guerra”, sublinham as organizações, que apelam à abertura imediata de todas as passagens terrestres, ao restabelecimento do fluxo de ajuda sob coordenação da ONU e à implementação de um cessar-fogo permanente.
A declaração surge dois meses após a entrada em funcionamento da Fundação Humanitária de Gaza, um mecanismo de distribuição de ajuda controlado por Israel e apoiado pelos EUA, que tem sido amplamente criticado por falhar em garantir o acesso seguro e eficaz à ajuda humanitária.
Leia abaixo a declaração na íntegra.
À medida que a fome generalizada se alastra em Gaza, os nossos colegas e as pessoas que servimos estão a definhar
Mais de 100 organizações lançam um alerta urgente para permitir a entrada de ajuda essencial.
Com o cerco imposto pelo governo israelita a provocar a fome generalizada entre a população de Gaza, os próprios trabalhadores humanitários juntam-se agora às filas para receber alimentos, arriscando ser baleados apenas para alimentar as suas famílias. Com os bens essenciais totalmente esgotados, as organizações humanitárias veem os seus próprios colegas e parceiros a definhar diante dos seus olhos.
Exatamente dois meses após o início da operação da Fundação Humanitária de Gaza — um esquema controlado pelo governo israelita — mais de 100 organizações lançam um apelo urgente aos governos: abrir todas as passagens terrestres; restabelecer o fluxo total de alimentos, água potável, medicamentos, artigos para abrigo e combustível através de um mecanismo liderado pelas Nações Unidas e baseado em princípios humanitários; pôr fim ao cerco e acordar um cessar-fogo imediato.
“Todas as manhãs, a mesma pergunta ecoa por Gaza: será que vou comer hoje?”, afirma um representante de uma das agências.
Massacres em pontos de distribuição de alimentos em Gaza ocorrem quase diariamente. A 13 de julho, as Nações Unidas confirmaram que 875 palestinianos foram mortos enquanto procuravam comida — 201 em rotas de ajuda e os restantes em pontos de distribuição. Milhares de outros ficaram feridos.
Entretanto, as forças israelitas deslocaram à força quase dois milhões de palestinianos exaustos, com a mais recente ordem de deslocamento em massa emitida a 20 de julho, confinando-os a menos de 12% do território de Gaza. O Programa Alimentar Mundial (PAM) alerta que as condições atuais tornam as operações insustentáveis. A utilização da fome como método de guerra contra civis constitui um crime de guerra.
Nos arredores de Gaza — e até dentro do próprio território — toneladas de alimentos, água potável, medicamentos, artigos para abrigo e combustível permanecem intocados, com as organizações humanitárias impedidas de aceder ou distribuir os bens. As restrições, atrasos e fragmentação impostos pelo cerco total do governo de Israel criaram um cenário de caos, fome e morte. Um trabalhador humanitário que presta apoio psicossocial relatou o impacto devastador nas crianças: “As crianças dizem aos pais que querem ir para o céu, porque lá há comida.”
Médicos relatam taxas recorde de desnutrição aguda, especialmente entre crianças e pessoas idosas. Doenças como diarreia aquosa aguda estão a espalhar-se, os mercados estão vazios, o lixo acumula-se e os adultos colapsam nas ruas devido à fome e desidratação. A distribuição em Gaza ronda apenas os 28 camiões por dia — muito aquém do necessário para mais de dois milhões de pessoas, muitas das quais estão há semanas sem qualquer assistência.
O sistema humanitário liderado pela ONU não falhou — foi impedido de funcionar.
As agências humanitárias têm capacidade e recursos para responder em larga escala. Mas, com o acesso negado, estamos impedidos de chegar às pessoas em necessidade — incluindo as nossas próprias equipas, exaustas e famintas. A 10 de julho, a União Europeia (EU) e Israel anunciaram medidas para aumentar a ajuda. No entanto, estas promessas de “progresso” soam vazias quando não há mudanças reais no terreno. Cada dia sem um fluxo sustentado de ajuda significa mais mortes por doenças evitáveis. As crianças morrem à espera de promessas que nunca se concretizam.
Os palestinianos estão presos num ciclo de esperança e desespero, à espera de ajuda e de um cessar-fogo, apenas para acordarem com condições ainda piores. Não se trata apenas de sofrimento físico, mas também psicológico. A sobrevivência é apresentada como uma miragem. O sistema humanitário não pode funcionar com base em promessas vãs. Os trabalhadores humanitários não podem operar com prazos incertos ou depender de compromissos políticos que não garantem acesso.
Os governos não podem continuar à espera de autorização para agir. Não podemos continuar a acreditar que os mecanismos atuais irão funcionar. É tempo de agir com determinação: exigir um cessar-fogo imediato e permanente; levantar todas as restrições burocráticas e administrativas; abrir todas as passagens terrestres; garantir acesso a toda a população de Gaza; rejeitar modelos de distribuição controlados militarmente; restabelecer uma resposta humanitária baseada em princípios, liderada pela ONU; e continuar a financiar organizações humanitárias imparciais e baseadas em princípios. Os Estados devem adotar medidas concretas para pôr fim ao cerco, como a suspensão da transferência de armas e munições.
Medidas fragmentadas e gestos simbólicos — como lançamentos aéreos ou acordos de ajuda falhados — servem apenas de cortina de fumo para a inação. Não substituem as obrigações legais e morais dos Estados de proteger os civis palestinianos e garantir acesso humanitário significativo e em escala. Os Estados podem — e devem — salvar vidas, antes que não reste nenhuma para salvar.
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