As ONG internacionais presentes na Síria alertam para a deterioração da situação no terreno. Numa declaração conjunta, as organizações revelam que já foram afectadas infra-estruturas básicas de abastecimento de água e de cuidados de saúde e que está em causa a ajuda humanitária às populações civis.  

O Fórum Regional das ONG Internacionais na Síria (SIRF, na sigla em inglês) - composto por 73 organizações que respondem à crise no país, entre as quais também a Médicos do Mundo - expressaram profunda preocupação com a rápida deterioração da situação no terreno, desde o início da operação militar lançada pela Turquia a 9 de Outubro. As Nações Unidas estimam existir já mais de 200 mil deslocados e planeiam apoiar, nos próximos tempos, mais de 400 mil pessoas com assistência e protecção. 

Ao longo de três dias, a cidade de Hasakeh assistiu à chegada de 60 mil deslocados em consequência da violência, enquanto as hostilidades na região provocaram estragos e deixaram fora de funcionamento a rede de distribuição de água. 400 mil pessoas, incluindo 82 mil que se encontram nos campos de Al Hol e Areesha, estão agora dependentes de uma solução provisória de bombeamento de água de uma barragem próxima, que apenas pode responder a 50% das necessidades preenchidas anteriormente pela rede. Esta água de fraca qualidade é apenas suficiente para abastecer a cidade de Hassakeh por um período aproximado de 10 a 15 dias. Uma situação que deixa a população exposta a surtos de doenças infecciosas, especialmente diarreia aguda e febre tifóide, duas das doenças mais identificadas no nordeste da Síria no mês de Agosto.  

Até ao momento, os ataques mais intensos registaram-se em Tal Abyad, Ras al Ain e Quamishly. O recurso a bombardeamentos aéreos e de artilharia nestas áreas, em particular no ataque de 13 de Outubro a um comboio de civis em fuga de Tal Abyad, faz aumentar as preocupações da utilização da população civil como alvo militar, o que resultaria numa grave violação da lei humanitária internacional. A utilização de explosivos em áreas povoadas levou a deslocamentos forçados em massa e a danos desproporcionados a infra-estruturas civis essenciais. Com o hospital recentemente renovado em Ras al Ain fora de serviço e três infra-estruturas de cuidados de saúde em Tal Abyad sem funcionar, as populações das áreas mais afectadas não têm acesso a serviços essenciais neste domínio.    

O SIRF está preocupado que várias das principais infra-estruturas humanitárias deixem de funcionar dentro do perímetro de 30 quilómetros da fronteira, área onde a Turquia tem estabelecido uma crescente presença militar, como é o caso do campo de Mabrouka (com 3.170 pessoas) e de Ain Issa (12.901 pessoas). O campo de Mabrouka foi praticamente todo evacuado e já não se encontra acessível. A maioria dos residentes foram realojados no campo de Areesha mas várias famílias não conseguiram sair e agora não têm acesso a alimentos, água ou abrigos. 

Ajuda humanitária em risco

Enquanto a necessidade de ajuda humanitária aumentou de forma drástica, a operação militar obrigou a que muitas organizações humanitárias suspendessem as suas actividades. Nos últimos dias, os membros do SIRF deixaram de ter acesso às suas instalações em Ain Issa, a 50 quilómetros da fronteira entre a Turquia e a Síria, depois de a cidade ter sido tomada por grupos armados apoiados pela Turquia. As organizações locais que continuam a prestar assistência enfrentam crescentes dificuldades e riscos à sua segurança. 

Muitas das equipas nacionais e de organizações locais receiam pelas suas vidas e as dos seus familiares, já que não encontram segurança nas áreas controladas pelo governo da Síria ou nos países vizinhos. As organizações humanitárias mencionam deslocamentos generalizados das equipas sírias, assim como preocupações com as restrições crescentes relativamente à sua liberdade de movimentação devido ao risco de recrutamento militar obrigatório. 

Com o acesso da ajuda humanitária já comprometido, quaisquer mudanças repentinas de controlo ou alterações na presença de tropas podem desestabilizar ainda mais a região e as rotas utilizadas pelas organizações humanitárias para alcançar as pessoas com necessidades. À luz do acordo político recentemente anunciado entre as autoridades curdas e o governo sírio, o SIRF apela às autoridades com responsabilidade para continuarem a ter como prioridade a garantia do acesso contínuo das organizações humanitárias.  

A população do nordeste da Síria já suportou anos de conflito, com muitos civis obrigados a deslocamentos contínuos, e sofreu pressões físicas e psicológicas inimagináveis. O SIRF está muito preocupado com o facto de muitos destes civis serem agora obrigados a fugir para sul para procurar refúgio em áreas que se encontram bastante contaminadas por materiais explosivos. Áreas que foram recuperadas ao Estado Islâmico, como Raqqa, encontram-se cheias de dispositivos explosivos improvisados e minas terrestres. 

O Fórum Regional das ONG Internacionais na Síria está também preocupado que um dos objectivos da operação militar seja facilitar o regresso de um largo número de refugiados. O SIRF destaca que muitos dos refugiados na Turquia não têm origem nas áreas que as forças turcas procuram ocupar e recorda à Turquia a sua obrigação em respeitar o princípio de não-devolução. 

O SIRF acredita que é necessária uma acção urgente e apela ao seguinte:

•    Para que todas as partes envolvidas no conflito cumpram as suas obrigações ao abrigo dos direitos humanos e da lei humanitária internacional e se abstenham de ter como alvo as populações civis e os trabalhadores humanitários, assim como a proteger o abastecimento de água, as infra-estruturas de saúde, as escolas e os campos com deslocados;
•    Para que suspendam as operações militares e estabeleçam um diálogo imediato entre as partes em conflito, apoiado pela comunidade internacional;
•    Para que todas as partes em conflito não recorram ao uso de explosivos com efeitos alargados em áreas povoadas, em conformidade com a lei humanitária internacional;
•    Para que todas as partes envolvidas no conflito e a comunidade internacional garantam a liberdade de movimentação e o acesso humanitário;
•    Para que todas as partes investiguem possíveis violações da lei humanitária internacional, especialmente ataques ilegais contra civis e infra-estruturas civis, e assegurem a responsabilização de quem o faça;
•    Para que o Conselho de Segurança das Nações Unidas renove a Resolução 2165, por forma a facilitar o fluxo de ajuda humanitária no nordeste da Síria;
•    Para que os governos doadores seja flexíveis e estejam prontos a disponibilizar financiamento de emergência e assistência aos atores humanitários com vista a uma resposta eficaz.