O documento apela à comunidade internacional para que enfrente a crise humanitária nos Territórios Palestinianos Ocupados e reforce o compromisso com uma solução política baseada no direito internacional.
As ONG alertam para a gravidade da situação em Gaza, onde o cerco quase total imposto por Israel, as restrições à ajuda humanitária e a destruição de infraestruturas essenciais colocam em risco a sobrevivência da população.
As recomendações incluem o levantamento imediato do bloqueio, a proteção de civis, a rejeição de modelos de ajuda sob controlo militar e o apoio à UNRWA e às ONG locais. As organizações sublinham que a ajuda humanitária deve permanecer neutra e imparcial, e que a paz duradoura só será possível com justiça e respeito pelo direito internacional.
O texto completo encontra-se abaixo.
Recomendações das ONG Humanitárias Internacionais para a Conferência Internacional de Alto Nível sobre a Resolução Pacífica da Questão da Palestina e a Implementação da Solução de Dois Estados – Junho de 2025
A Conferência de Alto Nível sobre a Solução de Dois Estados, coorganizada pelo Reino da Arábia Saudita e pela França, representa uma oportunidade decisiva para reforçar os esforços internacionais com vista a alcançar uma solução justa e duradoura para a prolongada crise nos Territórios Palestinianos Ocupados.
O Governo de Israel impôs um cerco total de 11 semanas a Gaza - seguido do atual cerco quase total -, propôs um sistema de ajuda humanitária sob controlo militar — o qual resultou na morte de pessoas que procuravam assistência — e implementou restrições generalizadas às organizações humanitárias que operam em todo o Território Palestiniano Ocupado, incluindo a Cisjordânia. Neste contexto, a prestação de ajuda e serviços humanitários essenciais, baseados em princípios, torna-se impossível, comprometendo os esforços de reconstrução, reabilitação, desenvolvimento humano e dignidade.
O sucesso da Conferência de Alto Nível sobre a Solução de Dois Estados dependerá da capacidade de responder à catástrofe humanitária em rápida deterioração e à ameaça iminente à sobrevivência do povo palestiniano em Gaza, como evidenciado pela análise do Tribunal Internacional de Justiça sobre a possibilidade de estar a ocorrer um genocídio. A Conferência deverá também abordar os obstáculos que impedem os palestinianos de aceder a ajuda e serviços essenciais em todo o Território Palestiniano Ocupado, bem como adotar medidas que salvaguardem a autodeterminação política e económica futura do povo palestiniano.
Em conformidade com as Resoluções ES10/24 (2024) e 79/81 (2024) da Assembleia Geral das Nações Unidas, ambas reconhecendo o papel da sociedade civil, esta nota informativa apresenta as principais preocupações das Organizações Não-Governamentais (ONG) humanitárias que operam em Gaza e no Território Palestiniano Ocupado.
Apelamos à Conferência de Alto Nível sobre a Solução de Dois Estados, aos seus documentos finais e aos Estados-Membros participantes para que:
1. Reafirmem a determinação do Tribunal Internacional de Justiça, expressa no seu Parecer Consultivo de 2024, de que a presença de Israel no Território Palestiniano Ocupado é ilegal, devido à violação sistemática de normas imperativas do direito internacional, incluindo a proibição da aquisição de território pela força, o direito à autodeterminação e as regras fundamentais do direito internacional humanitário. Os Estados devem tomar medidas concretas para a retirada incondicional e rápida de Israel dos territórios ocupados, em conformidade com a Resolução ES-10/24 (2024) da Assembleia Geral da ONU. Devem ainda exigir o fim da anexação ilegal da Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, utilizar todos os meios legais para travar a transferência forçada da população palestiniana — incluindo demolições de habitações e despejos forçados — e garantir o direito dos palestinianos a permanecer nas suas terras.
2. Apelarem à proteção de civis e infraestruturas civis, incluindo hospitais, escolas e abrigos, e à restauração imediata dos serviços básicos — água, eletricidade e saneamento — conforme exigido pelo direito internacional.
3. Exigirem que o Governo de Israel levante de imediato o cerco quase total e o bloqueio a Gaza, e impeça novos deslocamentos forçados e a fome generalizada. Os Estados devem utilizar todos os meios disponíveis para travar estratégias e táticas que facilitem a transferência forçada de civis, a obstrução de fornecimentos essenciais e o uso da fome como método de guerra. Estas ações constituem violações claras do direito internacional e agravam a crise humanitária em Gaza e na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental.
4. Exigirem que o Governo de Israel cumpra o seu dever de facilitar assistência humanitária independente, imparcial e sem entraves, livre de qualquer interferência militar, política ou económica, prestada por organizações humanitárias imparciais em todo o Território Palestiniano Ocupado. Estas obrigações estão consagradas nos Regulamentos de Haia de 1907 e na Quarta Convenção de Genebra de 1949.
5. Opor-se a qualquer modelo de ajuda humanitária sob controlo militar, que agravaria drasticamente a catástrofe humanitária no Território Palestiniano Ocupado e excluiria, na prática, crianças, idosos e pessoas com deficiências ou ferimentos graves do acesso à ajuda. Tal modelo também pode facilitar a transferência forçada e deportação de civis. Os Estados-Membros devem reafirmar a capacidade do sistema de coordenação liderado pelas Nações Unidas e o papel das organizações humanitárias imparciais na prestação de ajuda. Os doadores devem defender os Princípios Operacionais Conjuntos (POC) como quadro operacional em Gaza e garantir que as organizações possam continuar a trabalhar segundo esses princípios.
6. Rejeitar a criação de zonas de contenção e tomar medidas concretas para impedir e recusar o financiamento de zonas cercadas ou locais isolados para civis em Gaza, que equivaleriam a encarceramento indiscriminado e em massa, violando garantias fundamentais do direito humanitário e dos direitos humanos. Os Estados devem exercer pressão diplomática para impedir a sua criação. Apoiar financeiramente, logisticamente ou diplomaticamente este modelo, sabendo que facilita a transferência forçada e o uso da fome como arma de guerra, pode expor os doadores a consequências legais e políticas.
7. Garantir que o Governo de Israel levante todas as restrições de circulação no Território Palestiniano Ocupado, assegurando passagem segura e sem restrições para palestinianos, organizações humanitárias e cadeias de abastecimento comerciais, bem como para maquinaria e materiais necessários à reconstrução. Israel deve permitir a evacuação médica urgente de pacientes fora da Faixa de Gaza, com prioridade para a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, sem restrições ao seu regresso. A segurança dos trabalhadores humanitários — incluindo pessoal internacional e palestiniano de ONG, ONG palestinianas, Defesa Civil, Crescente Vermelho Palestiniano e todas as agências da ONU, incluindo a UNRWA — deve ser garantida.
8. Rejeitar a triagem de beneficiários, trabalhadores humanitários e parceiros locais. Os Estados devem garantir que nenhuma parte em conflito imponha procedimentos de triagem ou verificação a pessoal humanitário, organizações parceiras palestinianas ou beneficiários. Estas medidas violam os princípios humanitários, ameaçam a segurança e privacidade das pessoas e podem resultar em exclusões discriminatórias. Condicionar a ajuda a tais processos compromete a confiança, a integridade operacional e a legalidade da ação humanitária.
9. Opor-se à legislação israelita contra a UNRWA e manter o apoio financeiro e político à agência. A UNRWA continua a ser o maior prestador de serviços em Gaza e desempenha um papel essencial na manutenção de infraestruturas críticas em todo o Território Palestiniano Ocupado. A agência mantém também a confiança da comunidade palestiniana e dispõe de uma vasta rede de competências técnicas. Sem a UNRWA, a prestação de serviços e os esforços de recuperação e reconstrução seriam insustentáveis.
10. Exigir a revogação imediata das medidas de registo e vistos para ONG Internacionais impostas por Israel em 2025, bem como da legislação proposta que impõe restrições financeiras e operacionais a ONG israelitas com financiamento estrangeiro.
a. Instar Israel a dialogar com a liderança das ONG e com o OCHA para desenvolver um quadro de acesso que permita a emissão atempada de vistos, registos e autorizações, com procedimentos de recurso transparentes e um mecanismo conjunto de monitorização.
b. Apoiar publicamente as ONG internacionais na sua resposta a estas medidas e comprometer-se, enquanto doadores, a continuar a apoiar as ONG independentemente das decisões que tomem relativamente ao novo processo de registo — mesmo que optem por não se candidatar — e independentemente do resultado das candidaturas. Os doadores devem garantir que as ONG não sofrerão penalizações financeiras, riscos reputacionais ou perda de financiamento devido à sua posição sobre os novos requisitos israelitas.
11. Apoiar uma recuperação liderada pelos palestinianos, incluindo a criação de uma plataforma multilateral de financiamento direcionada a ONG locais palestinianas, com participação obrigatória da sociedade civil local e participação plena e significativa das mulheres.
12. Suspender todas as transferências de armamento e garantir um cessar-fogo permanente e uma solução baseada na igualdade de direitos. Todos os Estados devem tomar medidas concretas para assegurar um cessar-fogo imediato e permanente, incluindo a suspensão imediata da transferência de armas, munições, componentes e propriedade intelectual que possam ser utilizados em violação do direito internacional, conforme previsto na Resolução ES-10/24 da Assembleia Geral da ONU sobre o Parecer Consultivo do TIJ relativo à presença de Israel no Território Palestiniano Ocupado.
As leis referentes a conflitos armados foram desenvolvidas ao longo de séculos para regular a conduta em tempo de guerra e proteger os civis. Não podemos descartá-las agora. As decisões tomadas em Gaza correm o risco de estabelecer precedentes a nível global.A ajuda humanitária nunca deve ser retida como instrumento político ou militar, devendo manter-se estritamente neutra, imparcial, independente e baseada nas necessidades. Uma paz duradoura, alicerçada no direito internacional e na justiça, é o único caminho para a estabilidade e a recuperação em Gaza e em todo o Território Palestiniano Ocupado.