Mohammed Zaanoun

Sem um cessar-fogo e a entrada generalizada de ajuda humanitária, o sistema de saúde em Gaza está à beira do colapso. Avaliamos as consequências desta situação. 

A Médicos do Mundo (MdM) apela a um cessar-fogo, porque a cessação das hostilidades, que têm como alvo a população e as infraestruturas civis, em particular infraestruturas de saúde, é uma prioridade máxima, considerando a grave catástrofe humanitária e de saúde pública que se está a desenrolar na Faixa de Gaza.  

Todas as partes, incluindo Israel, devem tomar todas as medidas para garantir, de forma imediata, um acesso humanitário generalizado, sem entraves e sem restrições, à população civil na Faixa de Gaza. Tal como os alimentos, a água e os produtos médicos, o combustível deve entrar em quantidades suficientes, para aliviar as terríveis necessidades humanitárias e sanitárias da população, em particular para assegurar as necessidades energéticas dos hospitais, que estão atualmente à beira do colapso.

Infraestruturas de saúde sobrecarregadas

A intensidade sem precedentes dos ataques aéreos israelitas a Gaza - a Força Aérea israelita anunciou ter lançado seis mil bombas numa semana – o que é praticamente equivalente às bombas lançadas pelos EUA no Afeganistão, durante um ano -, resulta num número extremamente elevado de mortes e de feridos entre a população civil. Em consequência desta situação, os hospitais estão sobrecarregados, com um afluxo constante de feridos, que ultrapassa largamente as suas capacidades máximas. Os observadores relatam que as cirurgias têm de ser feitas no chão dos hospitais, sem anestesia e à luz de telemóveis. Os prestadores de cuidados de saúde estão a trabalhar em condições extremas.

Ataques às infraestruturas e aos profissionais de saúde

Dos 19 hospitais danificados, 12 foram mesmo obrigados a encerrar, devido aos danos, à falta de energia elétrica e de abastecimento e/ou às ordens de evacuação. Entre estas violações graves, o ataque ao hospital Al Ahli, a 17 de outubro de 2023, que provocou a morte de centenas de pessoas em situação de maior vulnerabilidade, constitui uma violação particularmente grave do direito internacional humanitário, devendo ser apurada a sua responsabilidade. Desde o início da escalada do conflito, foram mortos 57 profissionais de saúde, incluindo médicos, paramédicos e enfermeiros.

Escassez terrível de energia e de material médico

As infraestruturas de saúde na Faixa de Gaza estão a entrar em colapso, devido ao cerco total, que abrange o fornecimento de água, alimentos, eletricidade e combustível, no âmbito do qual Israel exacerbou os efeitos do seu bloqueio que dura há 17 anos. Os hospitais dependem de geradores de emergência, que estão longe de ser suficientes para cobrir as suas necessidades de energia, afetando assim seriamente as suas funções mais críticas. Antes da crise, o direito à saúde dos habitantes de Gaza já estava comprometido, agora os equipamentos médicos e as reservas de sangue estão quase esgotadas. 

Impedimento do acesso das ambulâncias aos doentes e feridos

Embora a capacidade das ambulâncias seja já insuficiente, a falta de combustível está a afetar ainda mais o seu funcionamento. O acesso aos doentes e feridos é também extremamente difícil, devido aos graves danos causados nas estradas pelos bombardeamentos. 

Ordens de evacuação do Governo de Israel para hospitais e civis no norte de Gaza 

22 hospitais localizados no norte de Gaza receberam repetidamente avisos de evacuação do Governo de Israel, como parte da ordem geral de evacuação, que inicialmente convocou 1,1 milhões de pessoas da região norte, para se deslocarem para o sul do território, na sexta-feira, 13 de outubro. Apesar das ordens de deslocação, 17 hospitais permanecem operacionais no norte de Gaza, uma vez que a evacuação colocaria em risco a vida de muitos doentes vulneráveis: pessoas que precisam de realizar hemodiálise, recém-nascidos em incubadoras ou doentes em cuidados intensivos não podem ser privados de cuidados médicos que salvam vidas. A limitada ajuda humanitária que entrou na Faixa de Gaza até à data, não chegou aos hospitais do norte. Além disso, os 1,4 milhões de pessoas que se deslocaram de norte para sul, em resultado da ordem de evacuação, não encontraram qualquer local seguro, uma vez que o sul continua a ser fortemente alvo de bombardeamentos.

Falta de água potável e de alimentos

A quantidade média de água por pessoa por dia é atualmente de três litros em Gaza (o limiar de emergência humanitária é de 15 litros por dia). Prevê-se que a desidratação, os surtos de doenças e a perda de vidas humanas aumentem, especialmente entre as crianças e as pessoas mais vulneráveis. As hostilidades e o bloqueio total perturbaram completamente a cadeia de valor agroalimentar e o setor da refrigeração: as reservas alimentares estão a esgotar-se e muitos alimentos básicos não podem ser cozinhados devido à falta de combustível. As equipas da MdM em Gaza já estão a sofrer de problemas de gastrointestinais, já que tiveram, em determinados momentos, de beber água contaminada ou comer alimentos que não estavam na cadeia de frio.  

Doenças infeciosas 

Uma vez que a maior parte da população está a recorrer a fontes de água não potável para consumo, Gaza poderá enfrentar um potencial surto de doenças muito infeciosas, como a cólera. As crianças com menos de cinco anos estão particularmente em risco de contrair doenças diarreicas, uma das principais causas de mortalidade infantil. Os pesticidas e outros produtos químicos presentes na água, combinados com os enormes desafios da gestão de resíduos sólidos e de águas residuais, devido às condições de vida dificultadas pela sobrelotação, vão ter um impacto terrível na saúde da população.

Saúde mental 

A população civil de Gaza partilha uma experiência coletiva de traumas consecutivos, já que, nos últimos 15 anos, sofreram as consequências de seis escaladas de violência, incluindo a atual. As necessidades são elevadas em termos de serviços de saúde mental e de apoio psicossocial, a curto e a longo prazo, para um elevado número de pessoas psicologicamente traumatizadas. Nour, psicóloga da MdM França, que se encontra atualmente em Gaza, declarou que "mesmo que sobrevivamos a isto, nunca recuperaremos mentalmente".