As situações de estigma e discriminação de pessoas com VIH são mais frequentes entre as populações vulneráveis e mulheres, segundo o relatório do Índice do Estigma das Pessoas que Vivem com VIH (Stigma Index), que contou com a colaboração da Médicos do Mundo, entre outras organizações da sociedade civil. 

A Médicos do Mundo é uma das organizações da sociedade civil que colaboraram no Índice do Estigma das Pessoas que Vivem com VIH (Stigma Index), um projeto internacional aplicado pela primeira vez em Portugal em 2013 e replicado em 2021/22, pelo CAD - Centro Anti-Discriminação VIH, com a participação da Direção-Geral da Saúde e parceria da Escola Nacional de Saúde Pública (Universidade Nova de Lisboa).

A nova edição (Stigma Index 2.0) permitiu medir o estigma e a discriminação experienciados pelas Pessoas que vivem com VIH (PVVIH), em diversos contextos da sua vida e avaliar a evolução destes fenómenos face a 2013. Os resultados foram apresentados esta quarta-feira, 1 de março, a assinalar o Dia da Discriminação Zero, no Auditório António de Almeida Santos - Edifício da Assembleia da República, na presença da Secretária de Estado da Promoção da Saúde, Dra. Margarida Tavares, e da Diretora-Geral da Saúde, Dra. Graça Freitas.

Os principais resultados

A subsistência de situações de revelação do estatuto serológico sem consentimento do próprio. 16% dos inqueridos relatam situações em que a informação foi fornecida sem este consentimento. A reação das pessoas menos próximas raramente é positiva (34%). 

Deverá ter existido um decréscimo no número de pessoas que relatam ter tido alguma experiência de estigma e discriminação social nos últimos 12 meses, de 29% para 8,5%, entre 2013 e 2021, respetivamente. Contudo, esta descida pode ter sido influenciada pela diminuição das interações relacionadas com a pandemia da COVID-19.

A discriminação social já foi sentida por 38% dos inquiridos, através de comentários discriminatórios e agressão verbal. Esta situação atinge especialmente as populações vulneráveis, especialmente Trabalhadores do Sexo/ Pessoas que fazem ou fizeram trabalho sexual (TS), Pessoas transgénero/não Cis/pessoas que não se identificam com o género atribuído ao nascimento (trans) e Pessoas que usam ou usaram Drogas (PUD), assim como mulheres. 

O estigma interno continua a estar muito presente: 90,5% dos participantes identificaram pelo menos uma manifestação de estigma interno, nomeadamente na dificuldade de revelação do estatuto serológico a outros, e/ou sentimentos de culpa e vergonha. 

Tais situações conduzem frequentemente a comportamentos de auto-discriminação: 30% referiu algum comportamento de auto-discriminação nos últimos 12 meses, nomeadamente não ter relações sexuais e/ou isolar-se da família e amigos. O estigma interno e auto-discriminação tem consequências, como o sofrimento (29% relata ter-lhe sido diagnosticado um problema de saúde mental nos últimos 12 meses), assim como a interrupção do processo de prevenção-tratamento. 

Estas questões do estigma e discriminação também têm impacto na realização do teste e no tratamento para o VIH. Para quase metade dos inquiridos (46%) o teste não foi feito de forma voluntária e 12% referem ter evitado fazê-lo por medo da reação de outras pessoas, o que pode ser a causa de muitos diagnósticos tardios em Portugal. No tratamento, 33% adiaram ou evitaram fazê-lo pelas mesmas razões. 

As situações de discriminação nos serviços de saúde parecem ter diminuído de 11% para 7% nos últimos 12 meses, face a 2013. No entanto, considerando todos os itens do estudo sobre esta questão, 22% dos inquiridos relatam alguma situação de discriminação nos últimos 12 meses por parte de profissionais de saúde, seja nos serviços específicos de VIH, em serviços de saúde sexual e reprodutiva ou noutros serviços de saúde. Estas situações afetam sobretudo algumas populações vulneráveis (TS e PUD) e as mulheres. 

As situações de violação de direitos é reportada por 15% dos inquiridos, especialmente as populações vulneráveis (TS, PUD e HSH) e mulheres. A situação mais relatada é a de ter sido forçado/a a ter relações sexuais (3,2%). Nos últimos 12 meses, estas situações foram referidas por 3,5% das pessoas, sobretudo no que se refere à obrigatoriedade de revelação do seu estatuto serológico em diversos contextos. 

A assertividade das pessoas para a defesa dos seus direitos é baixa (tendo diminuído entre 2013 e 2021), sendo que a grande maioria dos inquiridos que vivenciaram situações de violação dos direitos nos últimos 12 meses não tomou nenhum tipo de procedimento (81%), essencialmente por não saberem onde recorrer ou o que fazer.

As recomendações do estudo

Um dos objetivos do desenvolvimento do Stigma Index 2.0 é criar evidência para apoiar o desenvolvimento de programas e projetos no âmbito da discriminação, orientando políticas e intervenções programáticas. Neste sentido foram deixadas diversas recomendações.

Ao parlamento

  • Rever a Lei 46/2006, de 28 de agosto, sobre direitos e discriminação, substituindo “risco agravado de saúde” por “condição de saúde” e incluindo a discriminação sofrida em ambiente familiar e social.
  • Reforçar o mandato do INR – Instituto Nacional para a Reabilitação, para a monitorização e atuação perante situações de discriminação em razão da condição de saúde.

Ao Governo, DGS e PNISTVIH

  • Regulamentar a Lei n.º 75/2021, de 18 de novembro, que proíbe práticas discriminatórias e consagra o direito ao esquecimento no acesso ao crédito e contratos de seguros.
  • Definir o combate ao estigma e discriminação como área prioritária de intervenção no próximo Plano de Ação do PNISTVIH e incluir dotação orçamental para esta área.
  • Promover a divulgação da Lei 46/2006, de 28 de agosto, dos direitos das PVVIH e mecanismos de defesa desses direitos.
  • Monitorizar, acompanhar e atuar perante situações de estigma e discriminação no âmbito da infeção VIH
  • Assegurar o direito à saúde sexual e reprodutiva sem discriminação.
  • Reativar a Plataforma Laboral contra a Sida
  • Definir uma periodicidade para a replicação do Stigma Index, ou outros estudos na área do estigma e da discriminação das PVVIH.
  • Rever e alterar as tabelas de inaptidão das Forças Armadas.

Às organizações da sociedade civil

  • Divulgar informação aos seus utentes e beneficiários sobre os direitos das PVVIH, capacitando-os para atuar perante situações de discriminação.
  • Formar os seus colaboradores na área do estigma, discriminação e direitos das PVVIH.
  • Recolher informação e reportar os incidentes de discriminação de que tenham conhecimento.
  • Trabalhar o estigma interno e auto-discriminação com os seus utentes e beneficiários.

Aos serviços de saúde

  • Formar os profissionais de saúde na área do estigma, discriminação e direitos das PVVIH.
  • Assegurar a confidencialidade e a proteção dos dados pessoais dos utentes.

Pode consultar o estudo na íntegra, clicando na ligação abaixo: