Num dos países mais envelhecidos da Europa, o envelhecimento ativo emerge como uma prioridade de justiça social e de saúde pública. A forma como cuidamos das pessoas adultas mais velhas revela os valores que queremos para o futuro.

Portugal enfrenta uma transição demográfica sem precedentes. Com quase um quarto da população acima dos 65 anos, o envelhecimento deixou de ser uma preocupação futura para se tornar uma realidade urgente. Desde a sua fundação em Portugal, a Médicos do Mundo tem estado atenta às questões do envelhecimento, trabalhando com esta população em diversos projetos espalhados pelo país. 

Envelhecer não deve significar isolamento, fragilidade ou invisibilidade. Envelhecer deve ser viver com dignidade, autonomia e participação plena na sociedade.

 

Envelhecimento ativo e direitos fundamentais

O envelhecimento ativo, tal como definido pela Organização Mundial da Saúde, implica otimizar oportunidades de saúde, participação e segurança ao longo da vida. Mais do que um conceito técnico, trata-se de uma visão de sociedade que valoriza todas as fases da vida. 

Para que este modelo se concretize, é necessário articular políticas públicas que integrem saúde, habitação, cultura e proteção social, com respostas centradas na pessoa e nas suas necessidades reais. A promoção da literacia em saúde e digital, o apoio a cuidadores informais e o combate ao idadismo são pilares essenciais para garantir autonomia e qualidade de vida.

 

Compreender para incluir

A abordagem interseccional é essencial para compreender como diferentes fatores — como idade, género, orientação sexual, condição socioeconómica, deficiência ou histórico de consumo — se cruzam e amplificam desigualdades no envelhecimento. Esta perspetiva permite identificar vulnerabilidades específicas e construir respostas mais eficazes e justas. 

Na Médicos do Mundo, defendemos que políticas públicas e práticas clínicas devem integrar esta lente, promovendo inclusão, equidade e respeito pela diversidade de experiências.

 

Desafios invisíveis: exclusão, solidão e violência

Nem todas as pessoas envelhecem da mesma forma. Pessoas adultas mais velhas com comportamentos aditivos enfrentam envelhecimento precoce, maior incidência de doenças crónicas e exclusão dos serviços. Já as pessoas LGBTIQIA+ vivem frequentemente o envelhecimento em isolamento, invisibilidade e desconfiança face às instituições. 

A solidão e o isolamento social afetam profundamente a saúde mental e emocional, enquanto a violência — física, psicológica, financeira ou institucional — continua a ser uma realidade invisibilizada. 

A tudo isto soma-se o idadismo, uma forma de discriminação que desvaloriza, exclui e estereotipa as pessoas adultas mais velhas, comprometendo a sua saúde, autonomia e participação social.

 

Autonomia com apoio: envelhecer no lugar

A possibilidade de envelhecer em casa e na comunidade, com apoio adequado, deve ser reconhecida como um direito social. O modelo Ageing in Place promove a autonomia, reduz internamentos evitáveis e é mais sustentável do ponto de vista humano e económico. 

Para que este modelo seja efetivo, é necessário garantir financiamento público, cuidados domiciliários integrados e adaptação dos ambientes domésticos às necessidades das pessoas. A inovação tecnológica pode ser uma aliada poderosa, desde que acessível e adaptada, e acompanhada por formação específica para evitar novas formas de exclusão.

 

Médicos do Mundo: cuidar e valorizar

Na Médicos do Mundo, trabalhamos diariamente para tornar o envelhecimento ativo uma realidade. Os projetos que desenvolvemos em diferentes territórios têm como base uma abordagem multidisciplinar e comunitária, centrada na pessoa e nos seus direitos. As nossas equipas realizam avaliações iniciais detalhadas, definem planos de intervenção personalizados e acompanham de forma contínua o estado de saúde e bem-estar das pessoas adultas mais velhas.

Entre as atividades desenvolvidas, incluem-se visitas domiciliárias, atendimentos presenciais e contactos telefónicos, sessões individuais e grupais de educação para a saúde, intervenções de enfermagem, apoio psicossocial e consultas de psicologia. Há também ações de reabilitação, treino de funcionalidade e práticas de segurança, bem como introdução de produtos de apoio e adaptações domiciliárias. Os projetos promovem ainda a capacitação de cuidadores e parceiros de cuidados, com ferramentas para o autocuidado e boas práticas no processo de cuidar.

A articulação com o Serviço Nacional de Saúde e com outras entidades locais é uma componente essencial dos projetos, permitindo garantir encaminhamentos, continuidade de cuidados e respostas integradas. Este trabalho em rede é fundamental para assegurar que as pessoas adultas mais velhas têm acesso a serviços adequados às suas necessidades, promovendo uma abordagem coordenada e eficaz. A colaboração entre profissionais, instituições e comunidades reforça a capacidade de resposta e contribui para a construção de soluções sustentáveis e inclusivas

Projetos como o Beato Cuida, Estrela Cuida, Ramalde Cuida e Terceira (C)Idade = Felicidade, e tantos outros que desenvolvemos ao longo de mais de 25 anos, são exemplos concretos de como é possível construir respostas éticas, eficazes e inclusivas, que respeitam a diversidade e promovem o envelhecimento com dignidade. 

 

Envelhecer com dignidade não é um privilégio — é um direito 

É responsabilidade coletiva garantir que esse direito seja respeitado, independentemente da identidade, da história ou das vulnerabilidades de cada pessoa. Na Médicos do Mundo, continuamos comprometidos com este princípio, desenvolvendo intervenções com impacto e defendendo políticas públicas que coloquem as pessoas no centro, com uma abordagem interseccional que reconhece e valoriza a diversidade do envelhecimento.

 

Envelhecer com dignidade é também envelhecer com voz, com escolhas e com lugar na comunidade.