22 de outubro de 2025
Por Jorge Silveira Sousa
Coordenador de Comunicação e Advocacy da Médicos do Mundo
Quem define o que é discurso de ódio?
Não existe uma definição jurídica universal e consensual para o discurso de ódio. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos reconhece a liberdade de expressão como um dos pilares das sociedades democráticas, mas admite restrições quando essa liberdade é usada para incitar à violência, à discriminação ou à hostilidade¹.
Instrumentos como o Plano de Ação das Nações Unidas sobre Discurso de Ódio oferecem orientações para enfrentar este fenómeno sem comprometer os direitos fundamentais. A ONU propõe uma abordagem integrada, que inclui educação, contranarrativas e o envolvimento ativo da sociedade civil².
Na União Europeia, o Código de Conduta para combater o discurso de ódio online, enquadrado no Regulamento dos Serviços Digitais, estabelece critérios para que as plataformas digitais removam conteúdos ilegais e prestem contas sobre os seus sistemas de moderação ³.
Como regular sem comprometer a liberdade de expressão?
Em Portugal, o artigo 37.º da Constituição consagra o direito à liberdade de expressão, mas prevê que os abusos cometidos no seu exercício sejam apreciados judicialmente, em conformidade com os princípios do Estado de Direito⁴.
O Código Penal, através do artigo 240.º, criminaliza o incitamento ao ódio e à violência, sobretudo quando praticado em público e com base em características como etnia, religião, género ou orientação sexual⁵. A Lei da Cibercriminalidade reforça este enquadramento, aplicando-se a conteúdos divulgados online fora de grupos privados⁶.
A regulação deve ser proporcional e transparente, evitando que medidas contra o discurso de ódio se transformem em censura. A jurisprudência europeia exige critérios rigorosos para limitar a liberdade de expressão, reconhecendo que este não é um direito absoluto¹.
O papel das organizações da sociedade civil
O combate ao discurso de ódio exige uma resposta multissetorial. A Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) recomenda que os Estados desenvolvam planos de ação robustos, com o envolvimento da sociedade civil, formação de agentes públicos e protocolos claros para lidar com crimes de ódio⁷.
Organizações como a Médicos do Mundo têm um papel essencial na promoção da inclusão, na denúncia de práticas discriminatórias e na defesa dos direitos humanos. Atuando junto de populações vulneráveis e frequentemente invisibilizadas nos espaços públicos e digitais, contribuem para desmistificar preconceitos, promover a literacia em direitos e garantir que ninguém fica para trás na construção de uma sociedade mais justa.
O papel das plataformas digitais e dos média tradicionais
Plataformas como Meta, X (antigo Twitter) e YouTube têm sido alvo de críticas pelas suas políticas de moderação. Alterações recentes — como a redução de sistemas automatizados e o aumento da dependência de denúncias manuais — podem comprometer a eficácia na remoção de conteúdos prejudiciais⁸.
Já os média tradicionais desempenham um papel crucial na forma como o discurso público é construído. A linguagem utilizada, o enquadramento editorial e a visibilidade dada a determinadas narrativas podem contribuir para a normalização do preconceito ou, pelo contrário, para a promoção de uma cultura de respeito e inclusão. O jornalismo ético e informado é uma ferramenta poderosa na prevenção do discurso de ódio. É essencial que os órgãos de comunicação social adotem códigos de conduta claros, invistam na formação dos seus profissionais e colaborem com entidades da sociedade civil.
Fontes:
1Tribunal Europeu dos Direitos Humanos – Jurisprudência sobre limites à liberdade de expressão.
CEDIS Working Papers – Mariana Machado
2Plano de Ação das Nações Unidas sobre Discurso de Ódio.
ONU Brasil
3Código de Conduta da União Europeia para combater o discurso de ódio online.
Comissão Europeia
4Artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa.
Diário da República
5Artigo 240.º do Código Penal Português.
Diário da República
6Lei da Cibercriminalidade (Lei n.º 109/2009).
PGDLisboa
7Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI).
Conselho da Europa – ECRI
8Políticas de moderação de conteúdo das plataformas digitais.
OPEU

