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Não estamos a testemunhar apenas uma crise humanitária, mas também uma crise de humanidade e um fracasso moral, com a fome a ser utilizada como arma de guerra. A inação dos Estados terceiros, que têm os meios para pressionar as autoridades israelitas a levantar este cerco assassino, é inaceitável e pode ser interpretada como cumplicidade ao abrigo do direito internacional. Agora, não é o momento para declarações, mas para ação. Mais de dois milhões de vidas estão em jogo, sacrificadas pela privação ilegal de ajuda humanitária", denuncia Jean-Francois Corty, presidente da MdM França. 

Ter, 2025-05-13 09:00

 

Num relatório alarmante publicado hoje, a Médicos do Mundo destaca que, em apenas um ano e meio, a desnutrição aguda em Gaza atingiu níveis comparáveis aos de países que enfrentam crises humanitárias prolongadas durante várias décadas. A causa principal é o cerco imposto pelas autoridades israelitas. A Médicos do Mundo apela a que sejam tomadas medidas imediatas pelos Estados para prevenir mortes relacionadas com a desnutrição.

Nos últimos dez meses, a Médicos do Mundo (MdM) tem monitorizado a desnutrição aguda entre crianças e mulheres grávidas e lactantes, em até seis centros de saúde a operar na sitiada Faixa de Gaza. Em 2024, quase um em cada quatro bebés com menos de um ano e 19% das mulheres grávidas e lactantes foram identificados com desnutrição aguda*.  

  • Em novembro de 2024, a taxa de desnutrição aguda entre crianças atingiu 17%, o nível mais elevado em 2024. Este aumento coincidiu com a diminuição drástica no número de camiões com ajuda humanitária permitidos no enclave em outubro de 2024. Comparativamente, em 2022, apenas 0,8% das crianças de Gaza com menos de cinco anos sofriam de desnutrição aguda, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). 

  • A pausa nas hostilidades, que entrou em vigor a 19 de janeiro de 2025, levou a um levantamento parcial das restrições israelitas e a um aumento na entrada de produtos alimentares. Em resultado, as taxas de desnutrição aguda entre crianças diminuíram significativamente — de 17% em novembro de 2024 para 2,7% em fevereiro de 2025. 

  • Este progresso foi rapidamente revertido pelo cerco total à ajuda humanitária, imposto a 2 de março de 2025, seguido da retoma das hostilidades pelo exército israelita, a 18 de março, em violação do acordo de cessar-fogo. Em abril de 2025, uma em cada cinco mulheres grávidas ou lactantes e quase uma em cada quatro crianças observadas nos centros da Médicos do Mundo sofria ou encontrava-se em risco elevado de desnutrição aguda.  

Após mais de 15 meses da ofensiva militar e do cerco israelita a Gaza, a desnutrição aguda entre crianças e mulheres grávidas e lactantes reportada nas províncias de Deir Al Balah e Khan Younis, em Gaza, atingiu níveis semelhantes aos do Iémen (cerca de 11,5% em 2024 nas clínicas apoiadas pela Médicos do Mundo), que sofre com a guerra há mais de dez anos e está entre os países com maior insegurança alimentar no mundo, segundo a UNICEF. 

"Não estamos a testemunhar apenas uma crise humanitária, mas também uma crise de humanidade e um fracasso moral, com a fome a ser utilizada como arma de guerra. A inação dos Estados terceiros, que têm os meios para pressionar as autoridades israelitas a levantar este cerco assassino, é inaceitável e pode ser interpretada como cumplicidade ao abrigo do direito internacional. Agora, não é o momento para declarações, mas para ação. Mais de dois milhões de vidas estão em jogo, sacrificadas pela privação ilegal de ajuda humanitária", denuncia Jean-Francois Corty, presidente da MdM França. 

Os factos são claros: esta crise alimentar, que coloca milhares de vidas em perigo, é provocada pelo homem e resulta das decisões das autoridades israelitas de autorizar parcialmente ou bloquear totalmente a ajuda humanitária a Gaza. 

*De acordo com a OMS, uma taxa de desnutrição de 10% é considerada elevada e de 15% crítica. 

Aceda ao relatório aqui (em inglês)