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Saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade” (OMS). Assim, é importante considerar o impacto dos eventos disruptivos de vida na saúde mental, no bem-estar físico, qualidade de vida e desempenho das funções dos trabalhadores humanitários que estão em missão – daí a importância que assume “cuidar de quem cuida”.

Saúde Física e Mental: Como manter o foco em contexto de trabalho Humanitário

Paulo Silva/Médicos do Mundo

 

 

Os incidentes críticos que temos vivido um pouco por todo o Mundo, confirmam a relevância da atenção específica junto dos trabalhadores humanitários, tanto “antes – durante – depois” do momento zero. 

Os diferentes níveis de autoproteção passam por essas três fases:

1) normalidade (o “antes”) - a aposta é na prevenção, através das diferentes formas de potenciar recursos internos; seja com acções de capacitação perante situações concretas (ex.: primeiros socorros, físicos e psicológicos; entrega de más notícias; entender um teatro de operações e as competências operacionais que este cenário exige dos operacionais, entre outras skills). Seja através de trabalho de autoconsciência do que é a realidade de uma missão em cenário de catástrofe natural ou desastre provocado pelo Homem, para que o trabalhador humanitário ganhe percepção sobre o matching das expectativas sobre a função. Ainda nesta fase, é importante salientar a atenção que deve ser atribuída à selecção e recrutamento dos elementos que devem integrar missões, pois sabe-se no (e do) terreno que, mesmo quem possui formação específica na área onde está a intervir, sob condições adversas, pode (re)agir de forma incorrecta, colocando em causa a própria segurança, da equipa e o cumprimento da missão. 

A comunicação na relação de ajuda é uma competência transversal a todos os intervenientes e em todos os momentos de uma missão – tanto beneficiam os pares como o próprio trabalhador humanitário, como também a comunidade com quem se está a trabalhar. Esta comunicação de ajuda treina-se antes do incidente crítico e no momento zero é importante para reduzir a indução de stress e ansiedade em quem está a ser apoiado. 

2) Durante o incidente crítico, é importante o trabalhador humanitário activar as informações que previamente recebeu, facilitando a triagem primária à saúde física e mental dos envolvidos no evento crítico – tanto na comunidade, como no grupo de pares. Neste “momento zero” é evidente a relevância dos momentos prévios de capacitação específica, o apoio de pares, mas também a cultura organizacional onde se possa falar com franqueza e se possam comunicar os problemas sem temer consequências negativas; são também importantes reuniões de supervisão e orientação por parte das chefias e dos psicólogos – contribuindo para a redução de mal-entendidos, distorções e interpretações incorrectas, facilita-se processo de comunicação positiva inter e intraequipas; além de potenciar o robustecimento do sentimento de pertença à equipa. 

3) “Após missão” é importante realizar processos de follow-up, para se perceber como o trabalhador humanitário está a fazer activação dos seus recursos internos, saber como estão a ser (ou não) mobilizados para uma efectiva recuperação da percepção de controlo sobre as suas vidas, bem como o retorno a uma nova normalidade. 

As catástrofes criam necessidades psicológicas, tanto imediatas, como de longo prazo. Tanto vítimas, como sobreviventes, como trabalhadores humanitários manifestam necessidades práticas, sociais, emocionais, psicológicas, de nível informacional e requerem respostas devidamente antecipadas e proactivas, facultadas por um apoio multidisciplinar bem coordenado.  

Susana Gouveia - Psicóloga Especialista na Área da Intervenção Psicossocial em Crise


Investigadora Associada do Centro de Trauma do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra. Licenciada em Psicologia pela Universidade de Coimbra e Mestre em Gestão, área de especialização em Recursos Humanos, pela Universidade de Évora. Foi colaboradora da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) entre Janeiro de 2002 e Maio de 2019. Desde Dezembro de 2012 é responsável nacional pela coordenação da resposta de apoio psicossocial da CVP. É focal point de Portugal para o Psychosocial Centre da Federação Internacional da Cruz Vermelha. Integra o Grupo de Trabalho em Intervenção do Psicólogo em Contexto de Crise e Catástrofe e pertence ao Working Group "Refugees", da European Federation of Psychologists' Associations. É docente convidada na Pós-Graduação em Crise e Acção Humanitária do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa; e na Pós-Graduação em Missões Humanitárias, Catástrofes e Conflitos da Escola Superior de Saúde da CVP. Desde o início de Maio de 2019 está a trabalhar na Médicos do Mundo enquanto Directora de Desenvolvimento e Gestão de Recursos Humanos, Directora de Voluntariado, de Formação e de Logística.