“Nós vamos ao terreno, vamos à procura de quem precisa, o que acaba por levar a uma relação de confiança e proximidade muito mais forte com a pessoa – um factor importante na concretização do projecto de intervenção” – afirma Diana Gautier, assistente social da Médicos do Mundo.

Na data em que se assinala o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, a Médicos do Mundo esclarece a importância das equipas de proximidade e o seu contributo para a intervenção no terreno, de forma a atenuar os impactos causados pela pobreza ao nível da saúde das pessoas que apoiamos.

Médicos do Mundo (MdM): A Médicos do Mundo desenvolve projectos que visam melhorar as condições de vida dos beneficiários e atenuar os impactos da pobreza e exclusão social, nomeadamente, a falta de acesso a cuidados de saúde primários. Qual o contributo de um assistente social no quotidiano dos projectos com pessoas em situação de sem abrigo? 
Diana Gautier (D.G): Ao longo de cinco anos fiz parte de uma das Equipas Técnicas de Rua da Médicos do Mundo e acredito que a saúde tem de ser vista de forma holística, ou seja, não é só a saúde física e mental que importa, mas é também o bem-estar social. Estas equipas continuam a trabalhar com as pessoas em situação de sem abrigo, e não só e a sua intervenção é muito completa, no sentido em que trabalha segundo esta noção integrada de saúde. 
O diagnóstico das pessoas que vêm até nós requer, muitas vezes, vários atendimentos até que se perceba ao certo qual é a situação em causa para se definir as problemáticas. E a seguir, com a participação activa do utente, desenha-se o projecto de intervenção que espelha o que é realmente importante para alcançar o bem-estar daquela pessoa.
Mas para que tal seja possível, é preciso perceber quais são os recursos, internos e externos da pessoa e da comunidade, para que as possamos orientar e apoiar. Estas pessoas estão excluídas, vivem à margem, e nós queremos incluí-las na sociedade se essa for a sua vontade.
No fundo, o nosso trabalho é fazer valer os direitos e deveres dos utentes que apoiamos, no acesso a cuidados de saúde, habitação, documentação, entre outros.
 

MdM: E nessa intervenção qual é a importância das equipas de proximidade?

D.G: A importância é imensa. Estas equipas em particular tem uma grande mais-valia. A existência de períodos de paragem fixa e outros de circulação permite-nos percorrer as cidades onde intervimos, o que nos confere uma grande margem de manobra para ir ao encontro das pessoas que precisam. Sempre que é necessário nós vamos, seja de manhã, tarde ou noite. Se for necessário acompanhar as pessoas a algum serviço, seja de saúde ou social, também temos flexibilidade para o fazer. E por isso, o facto de trabalharmos com unidades móveis que nos permitem percorrer as cidades, com um horário bastante amplo, ajuda-nos a estar mais próximos e a ir ao encontro das necessidades das pessoas. Nós vamos ao terreno, vamos à procura de quem precisa, o que acaba por levar a uma relação de confiança muito mais forte com a pessoa e isso ajuda na concretização do projecto de intervenção. 
 

MdM: Quais os principais desafios na intervenção de rua?

D.G: Quando estamos na rua, precisamos de ter muita sensibilidade para encarar os desafios com que nos deparamos. Não nos podemos esquecer que vamos ao espaço da pessoa. No caso das pessoas em situação de sem abrigo, muitas estão a pernoitar na rua, mas não deixam de ter o seu espaço. Isto requer muito cuidado e tacto por parte da equipa. 
Se por um lado o facto de irmos ter com a pessoa facilita muito a intervenção, por outro também pode trazer alguns riscos. Quando recebemos uma sinalização e vamos conhecer a pessoa pela primeira vez, vamos sem saber o que ou quem nos espera. Contudo, a Médicos do Mundo tem a com uma vasta experiência na intervenção de rua, o que ajuda a fazer uma leitura do terreno. Na maior parte dos casos as pessoas estão receptivas às equipas e somos bem-recebidos, mas há casos em que não, e é preciso saber recuar e voltar mais tarde.

MdM: A Médicos do Mundo trabalha em parceria com outras entidades, de forma a garantir as melhores respostas às sinalizações. Que rede é esta e como é que funciona?

D.G: A Médicos do Mundo faz parte do NPISA (Núcleo de Planeamento e Intervenção para a Pessoa Sem Abrigo) desde 2015. Antes disso, já fazíamos parte de vários grupos de trabalho que actuavam junto desta população. Esta articulação é fundamental pois nenhuma instituição consegue fazer tudo sozinha. Fazer parte do NPISA, que congrega várias organizações e várias equipas de rua, ajuda a estabelecer contacto com outras entidades e a definir um plano de intervenção mais sustentado para cada pessoa. O mesmo beneficiário contacta com várias equipas e não queremos duplicar intervenções, nem faria sentido. Queremos estar todos na mesma linha de intervenção, por isso a rede ajuda a trocar informações, se necessário, e a estruturar melhor o nosso trabalho. 
Nem consigo imaginar um trabalho fora desta rede, nem faria sentido. 
 

MdM: Qual a sua opinião sobre o trabalho da equipa e voluntários da Médicos do Mundo?

D.G: Quando entrei para a equipa de rua já existia um know-how consolidado sobre esta temática, o que me deu muita segurança para trabalhar com esta população. Quando surgem dúvidas, ou questões sobre a forma de intervir, podemos contar com os colegas e juntos delineamos formas de dar a volta às situações mais complicadas. 
Por outro lado, a articulação com os voluntários também é importante. Ter alguém de fora que possa acompanhar o nosso trabalho, para além de toda a ajuda que dão no terreno, ajuda-nos a ter perspectivas sobre a própria intervenção, nem que seja pelas suas dúvidas ou curiosidades. Já tivemos casos de enfermeiros e médicos que nunca tinham experienciado o trabalho em contexto de rua, mas o feedback é sempre muito positivo. O atendimento num centro de saúde ou num hospital é completamente diferente. Aqui na Médicos do Mundo há situações em que temos que percorrer a cidade a pé com uma mochila de cuidados de saúde, há pensos que são feitos num degrau, ou podemos passar duas horas, à beira da estrada, a conversar com os beneficiários e a tentar perceber as suas problemáticas. É uma realidade com um impacto diferente do que estão habituados, mas é sempre uma experiência bem aceite e é uma ajuda importante.
 

Emanuele Siracusa
MdM: Para ajudar as pessoas, a Médicos do Mundo conta com diversos contributos. Que mensagem gostaria de deixar a quem nos apoia?

 

D.G: Antes de mais, muito obrigada. Todas as nossas equipas fazem realmente diferença na vida destas pessoas e por isso é tão importante a nossa continuidade. Os doadores são sempre bem-vindos aos nossos projectos, para falar ou colocar questões. Por isso, se nos virem, podem vir ter connosco.
 

Como é que a Médicos do Mundo derruba a barreira da pobreza no acesso a cuidados de saúde?

No decorrer do nosso trabalho deparamo-nos com pessoas que vivem abaixo do limiar da pobreza e que, por essa mesma razão, dispõem de recursos limitados, o que dificulta o acesso a cuidados de saúde primários. Para derrubar a pobreza, enquanto obstáculo a um direito tão básico, a Médicos do Mundo tem equipas de proximidade que percorrem as ruas de Lisboa, Loures, Porto e Barcelos para chegar às populações mais vulneráveis, disponibilizando apoio médico e de enfermagem, apoio psicossocial e medicamentoso, encaminhamento para os Serviços de Saúde e Sociais, acompanhando cada caso. Paralelamente à nossa actuação no terreno, a Médicos do Mundo é também uma das organizações da Sociedade Civil que contribuiu para a criação da Estratégia Nacional para a Integração da Pessoa em Situação de Sem Abrigo. Em Lisboa, participamos nos Eixos do Planeamento e da Intervenção e subcoordenamos o Eixo da Saúde do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA). No Porto, a Médicos do Mundo faz parte deste último Eixo e também do Eixo do Acompanhamento Social, para além de integrar o Núcleo Executivo do NPISA. Na capital, somos ainda membros do Conselho de Parceiros do NPISA.
A par destes grupos de trabalho, colaboramos também com: a Rede Europeia
Anti-Pobreza; os CLAS de: Lisboa (com enfoque no Grupo de Comportamentos
Aditivos – numa lógica de prevenção), Loures, Setúbal, Barcelos e Porto (no qual integramos duas Unidades Operacionais); o Plano Nacional para a Tuberculose; Fórum Nacional da Sociedade Civil para a Infecção VIH/ SIDA; a Rede de Trabalho Sexual; a Rede de Apoio e Protecção às Vítimas de Tráficos de Seres Humanos; o Grupo R3 - Riscos Reduzidos em Rede; e com grupos de trabalho de idosos e jovens nas Comissões Sociais de Freguesia do Beato, Alcântara e Penha de França.