Médicos del Mundo

A Médicos do Mundo apela ao Conselho de Segurança das Nações Unidas para que prolongue por, pelo menos, mais 12 meses a resolução transfronteiriça que permite a passagem de ajuda humanitária em Bab al-Hawa, na Síria. O prazo previsto pela atual resolução termina esta terça-feira, 10 de janeiro.

O mecanismo de ajuda transfronteiriça que permite a entrega de ajuda humanitária na Síria, a partir da passagem de Bab al-Hawa, foi renovado através da adoção da Resolução 2642 pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que expira a 10 de janeiro de 2023. A prorrogação desta autorização está dependente de nova decisão por parte do Conselho de Segurança.

Após 12 anos de conflito, a situação na Síria continua a ser o pior cenário humanitário do mundo, desde o início da crise. O número de pessoas a necessitar de ajuda humanitária aumentou de 1,2 milhões, em 2012, para 14,6 milhões, em 2022. Segundo as Nações Unidas, este número vai atingir 15,3 milhões de pessoas em 2023. 

Uma decisão positiva do Conselho de Segurança é essencial para evitar uma catástrofe humanitária, mas é claramente insuficiente por si só. É urgente encontrar soluções mais duradouras neste contexto de crise múltipla, para apoiar de forma eficaz as intervenções que permitem salvar a vida de milhões de sírios.

Mais de 12 milhões de pessoas precisam de ajuda urgente

Atualmente, mais de 12 milhões de pessoas necessitam de ajuda urgente na Síria. A água potável é escassa e a falta de acesso a este recurso indispensável é principal causa de surtos, como de cólera (61.671 casos suspeitos até dezembro de 2022), de deslocações internas contínuas e de insegurança alimentar. 

Com um nível recorde de 12,1 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, os casos de desnutrição grave aumentaram consideravelmente, o que afeta particularmente as crianças. As pessoas que vivem no campo carecem frequentemente de abrigo ou de aquecimento adequado para enfrentar o Inverno, não dispondo de alternativa às fogueiras, que podem causar incêndios graves. 

A segurança também continua a agravar-se com o aumento de ataques e bombardeamentos. De acordo com o documento Humanitarian Needs Overview on Syrian Arab Republic, de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) relatou um total de 30 ataques a infraestruturas de cuidados saúde. 

Em resultado dos ataques, morreram 25 pessoas, incluindo três profissionais de saúde e cinco doentes, e outras 66 ficaram feridas. O tipo de ataques violentos que foram relatados incluíram obstrução à prestação de cuidados de saúde, violência psicológica, ameaça ou intimidação, e violência com armas pesadas.

Atualmente, no noroeste da Síria:

•    Existem 4,1 milhões de pessoas com necessidade de assistência humanitária.
•    3,1 milhões de pessoas deslocadas internamente.
•    Mais de 70% da população está em situação de insegurança alimentar.
•    A 10 de dezembro, um total de 25.607 casos suspeitos de cólera (9.736 na província de Alepo, 15.871 na província de Idleb) foram comunicados no noroeste da Síria e 5.084 (19,85%) nos campos de deslocados internos.
•    O acesso aos serviços básicos permanece severamente limitado, sobretudo em termos de qualidade e de funcionalidade das instalações de saúde.
•    As emergências de saúde mental revelam sintomas preocupantes, observados particularmente entre mulheres, raparigas e rapazes.

No nordeste da Síria: 

•    Há 2,8 milhões de pessoas com necessidade de assistência humanitária.
•    Os cuidados de saúde são indicados como uma das três necessidades prioritárias dos residentes e dos deslocados internos.
•    O custo dos serviços de saúde é um desafio para 86% dos residentes e dos deslocados nas comunidades avaliadas. 
•    Quase 3 em cada 4 comunidades avaliadas indicaram a existência de agregados familiares com acesso limitado a serviços de saúde.
•    As necessidades prioritárias de saúde comunicadas com maior frequência são medicamentos e outros produtos (64%), tratamento de doenças crónicas (59%) e consultas pediátricas (49%). 
•    As barreiras mais significativas ao acesso a cuidados de saúde são a falta de medicamentos ou equipamento médico nas instalações de saúde e a sobrelotação dos serviços de saúde. Outras barreiras são a falta de profissionais de saúde, de equipamento ou de fornecimento a instalações de saúde, de privacidade para mulheres e raparigas, e as preocupações de segurança quando se deslocam a instalações de saúde.

A crise humanitária está longe de terminar

Como este quadro crítico é o resultado de quase 12 anos de guerra, a crise humanitária está longe de ter terminado. Apesar disso, a Síria começa a deixar a agenda internacional. A situação económica é desastrosa, a pluviosidade insuficiente e as graves condições de seca, que resultaram em insegurança alimentar, crise de água e surto de cólera, apenas aumentaram esta provação humanitária. 

Entre os principais motivos que continuam a agravar esta crise humanitária estão a pandemia da COVID-19, a guerra na Ucrânia, assim como a preparação do caminho para o abrandamento económico global e o repatriamento de fundos para fazer face à situação.

Desde o início da guerra, a cada ano que passa, a crise humanitária tem vindo a agravar-se na Síria e os sírios precisam mais do que nunca de ajuda humanitária urgente. O número de pessoas com necessidade de ajuda humanitária continua a aumentar desde 2011 e espera-se que atinja 15,3 milhões de pessoas em 2023 (mais de 69% da população do país). Este é um recorde desde o início do conflito.

Mais de 2,3 milhões dependem da ajuda humanitária

Entre os milhões de mulheres, crianças e homens que necessitam de assistência e proteção humanitária, mais de 2,3 milhões dependem do apoio mensal que recebem ao abrigo da assistência transfronteiriça. As entregas transfronteiriças representam uma média de quase 600 camiões carregados de alimentos, medicamentos, saneamento e artigos de higiene. 

Embora as necessidades estejam no seu ponto mais alto no norte da Síria, no meio da guerra, de um surto de cólera e do inverno que se aproxima, a não renovação da resolução seria uma tragédia humanitária. A manutenção desta passagem é fundamental para milhões de pessoas na Síria.

No entanto, embora a ajuda transfronteiriça da ONU não possa ser substituída, também é necessário implementar soluções mais permanentes para complementar esta passagem vital. A renovação é indispensável, mas permanece claramente insuficiente, numa altura em que a situação humanitária na Síria se encontra no seu pior cenário. Devem ser também apoiadas soluções complementares, tais como as entregas transfronteiriças - a ajuda prestada através das linhas da frente internas de áreas controladas pelo governo sírio para áreas fora do controlo governamental - e os esforços de recuperação. 

Apesar dos 11 anos de esforços humanitários em termos de necessidades imediatas e fundamentais, a situação da população síria não melhorou, tendo-se mesmo deteriorado devido a diversos fatores externos. A par da ajuda de emergência, é tempo de pensar também na implementação de projetos a longo prazo, para assegurar o desenvolvimento e a resiliência na região, o respeito e as perspetivas futuras do povo sírio.

A MdM apela ao Conselho de Segurança da ONU que renove a resolução transfronteiriça por, pelo menos, mais 12 meses.

A MdM insta as Nações Unidas e todas as partes na região a apoiarem a melhoria de uma solução que combine ajuda transfronteiriça, acesso transfronteiriço e recuperação, com vista a esforços humanitários mais sustentáveis. 

A MdM exorta as Nações Unidas e a comunidade internacional a intensificarem os seus esforços com vista à implementação de projetos de longo prazo, centrados no desenvolvimento, na resiliência e na sustentabilidade.

A atividades da MdM na Síria

A MdM iniciou as suas atividades na Síria em 2008, através da prestação de serviços de cuidados de saúde primários. Durante os últimos 11 anos do conflito sírio, a MdM tem participado em numerosas atividades médicas humanitárias. As atividades são implementadas de forma direta ou através de parcerias com agentes locais, na Síria e em países vizinhos com refugiados sírios.