Caroline Thirion

Na data em se assinala o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, este 25 de novembro, a Médicos do Mundo recorda a necessidade urgente de combater a violência sexual contra as mulheres no Kivu do Sul, no leste da RD Congo.

A violência baseada no género não está a diminuir

"Casamentos precoces e forçados, gravidezes indesejadas ligadas ao abuso sexual, abortos inseguros: na República Democrática do Congo, particularmente na província do Kivu do Sul, a violência baseada no género está em toda a parte. E não está a diminuir, pelo menos de forma percetível. Sabemos que esta violência aumentou 86% em relação a 2019 (relatório OCHA 2020), que envolve cada vez mais menores e que há um número crescente de raparigas grávidas, com menos de 18 anos de idade. Face a esta violência, a estigmatização e a falta de cuidados continuam a ser comuns", explica Eric Wynants, coordenador-adjunto da Médicos do Mundo (MdM) Bélgica na RD Congo. 

As vítimas de violência sexual são cada vez mais jovens

No Kivu do Sul, há muito tempo que se recorre à violação como arma de guerra, uma situação que se propagou amplamente na sociedade congolesa, particularmente através de crianças-soldado desmobilizadas, milicianos, ex-rebeldes e grupos armados. As vítimas parecem ser cada vez mais jovens, por vezes, com menos de 10 anos de idade. Esta violência junta-se a outra violência cometida em contexto doméstico ou criminal. 
 

Caroline Thirion
Uvira, RD Congo 
MdM ajuda sobreviventes de violência sexual

Desde 2015, a MdM, através da sua delegação belga, tem vindo a ajudar a erradicar a violência sexual contra as mulheres na RD Congo, particularmente no Kivu do Sul. Após sete anos de colaboração com o Hospital Panzi, dirigido pelo médico Mukwege, a MdM está agora a disponibilizar atividades de prevenção na comunidade, cuidados médicos e psicossociais, assim como a promover a integração profissional das vítimas e o reencaminhamento para aconselhamento jurídico. 
A organização realiza também atividades de advocacy. Dada a situação tensa em termos de segurança e a falta de organizações humanitárias no terreno em certas áreas, a intervenção da MdM é essencial.

Prevenção no seio das comunidades

Em Itombwe e Minembwe, na região montanhosa conhecida como ‘Alto Planalto’, grupos comunitários compostos por cerca de 50 pessoas – que incluem líderes de opinião, vítimas de violência e representantes da sociedade civil - reúnem-se como parte das atividades de prevenção. O objetivo é analisar as causas e os fatores na base da violência sexual, e definir um conjunto de ações locais para a sua erradicação. 

"Por exemplo, durante um determinado período, muitas mulheres que iam buscar água ao lago Kivu, nos arredores de Bukavu, de manhã cedo, foram sujeitas a violência sexual. A estrada estava mal iluminada e havia muita insegurança. Na sequência de discussões comunitárias, foi tomada a decisão de instalar iluminação pública, o que reduziu drasticamente o número de incidentes”, revela o coordenador-adjunto da MdM.

Caroline Thirion
Makobola, RD Congo
Acesso aos cuidados: 72 horas essenciais após uma violação

As mulheres que sofreram abusos sexuais devem dirigir-se o mais rapidamente possível a um centro de saúde, para obter um kit pós-violação, que inclua o tratamento do VIH, a vacina contra a hepatite B, o tratamento de outras infeções sexualmente transmissíveis - sífilis, gonorreia, etc. - e a pílula do dia seguinte. Em termos mais gerais, as vítimas de violência devem ser tratadas rapidamente. 

Os grupos comunitários da MdM visitam as aldeias, para explicar a existência destes serviços e os cuidados médicos disponíveis nos centros de saúde que são apoiados pela organização. Além disso, é emitido um certificado forense, para que as vítimas possam apresentar uma queixa. A MdM disponibiliza ainda apoio psicossocial e de saúde mental às sobreviventes, e informação sobre os seus direitos e/ou encaminhamentos para os agentes jurídicos especializados.

Caroline Thirion
Makobola, RD Congo
Mobilização política

Finalmente, a MdM realiza um trabalho de advocacy político no seio das comunidades. "Através de uma coligação de autarcas e administradores territoriais, mobilizamos as autoridades políticas para que tomem medidas de prevenção e luta contra a violência sexual, e denunciem os responsáveis", explica o responsável da organização no terreno. 

"Para melhorar a condição das vítimas de violência sexual, é essencial oferecer-lhes uma resposta integrada: cuidados e medicamentos nas instalações médicas, interrupção voluntária da gravidez de forma segura, se necessário, e apoio psicossocial e de saúde mental. Permitir-lhes que sigam uma formação profissional ou desenvolvam a sua própria subsistência é outro passo importante para a reconstrução pessoal", conclui Eric Wynants.  

Caroline Thirion

"Digo às minhas filhas: recusem o presente de um homem desconhecido, que inevitavelmente esperará algo em troca.”

Myriam (nome fictício), viúva e mãe de três filhos, de Makobola, conta: "Era julho de 2021. Eu estava a trabalhar nos campos. Fui agredida sexualmente por três homens, quando estava sozinha. Fui para casa, vazia, deprimida e angustiada. Não falei com os meus filhos, nem com o chefe da aldeia. Não saí de casa durante dias, o que acabou por alertar Bobylia, o ponto de contacto na “comunidade protetora” (projeto da MdM), a quem acabei por confidenciar o sucedido. 

Myriam foi então para o centro de saúde de Makobola, apoiado pela MdM. "Quando cheguei, não conseguia dormir, sentia-me culpada, estava sem forças. Graças ao apoio psicológico que recebi da assistente psicossocial da MdM, pude finalmente falar com os meus filhos."

Hoje, como membro da "comunidade protetora", Myriam sensibiliza para a violência sexual outros residentes de Makobola. "Aconselho as vítimas de violência a irem a instalações médicas. Também aconselho as minhas filhas a terem cuidado, a evitarem lugares inseguros e a não aceitarem presentes de homens estrangeiros, que inevitavelmente esperam algo em troca.

Caroline Thirion

"Nunca tinha conhecido um homem antes dele, este incidente continua a assombrar-me.”

"Vivo com os meus pais em Uvira, Kivu do Sul, RD do Congo. Eu ajudo-os nos campos e em casa. Um dia, quando fui buscar água, fui abusada sexualmente por um membro da minha família. Falei disso aos meus pais quando cheguei a casa e ele foi preso."

Ima (nome fictício) foi para o centro de saúde de Kabimba, apoiado pela MdM, para receber cuidados médicos e apoio psicossocial. Foi-lhe entregue um kit de tratamento, para se proteger de possíveis infeções sexualmente transmissíveis. Falou também com Floribert, uma das assistentes psicossociais da MdM.  "Sentia-me perdida e ela ajudou a que eu me encontrar-se a mim mesma. Graças às sessões de terapia de grupo, pude encontrar outras sobreviventes de violência sexual e falar sobre o que me tinha acontecido."

O perpetrador foi libertado e regressou à aldeia. "Ainda o vejo por vezes na aldeia. Sempre que o vejo, sinto-me mal, sinto vergonha. Devora-me. Nunca tinha conhecido um homem antes dele e este horrível incidente ainda me assombra."

Ima também recebeu um pequeno apoio financeiro da MdM, para iniciar um negócio, a vender produtos no mercado e na rua. Ela não desiste e continua a seguir em frente.